quinta-feira, 28 de abril de 2011

Portugal e os desafios da Europa

Este artigo ilustra bem como os nossos próprios erros se aliaram a um caminho profundamente errado e falta de visão que pode culminar no fim da Europa como a conhecemos e os Portugueses sonharam. E é uma pena porque a alternativa não será melhor.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Ai eles são isso?

In Público:

O comissário europeu para os assuntos económicos e financeiros, Olli Rehn, frisou hoje que a assistência financeira externa a Portugal só é possível com o apoio da Finlândia. Nenhuma outra opção está a ser estudada, assegurou.
Já vem sendo costume declarações deste género, a dificultar a vida de Portugal com declarações que não ajudam nada, exigências de taxas de juro altas, como se Portugal fosse uma criança mal comportada. Esta "trickle down Europa", com as suas regras pouco democráticas e ideologicamente não neutras, impostas de cima e não emanadas da população, não é a Europa com que os Portugueses sonharam, do bem estar e da solidariedade. E não está isenta de culpa em tudo o que se tem passado. Sim, seremos nós os maiores responsáveis, mas a responsabilidade da Europa não é desprezável.

Até quando vamos ficar caladinhos e engolir estes disparates? Não sabemos negociar? Sigam o exemplo de Alberto João Jardim, que sempre conseguiu tudo o que queria, merecendo menos que Portugal agora. Não aprenderam nada com ele? Acham que conseguem mais calados e tratando de tudo em gabinetes?

Não se pode pedir ajuda só ao FMI? Seria uma bela bofetada de luva branca a esta Europa sem futuro. O FMI parece ter uma posição bem mais razoável que os responsáveis europeus com a sua falsa moralidade.

Pensem bem, friamente isto é uma negociação entre partes. O que tem a Europa a ganhar? e a perder? do que têm eles medo? Usem os nosso melhores negociadores. A gente que negociou a passagem de Macau para a China parece ter conseguido qualquer coisa com negociadores dos mais difíceis do mundo (perguntem ao Chris Patten como correu com Hong Kong, houve um documentário da BBC sobre isso bastante elucidativo).

Chamem essa gente, tenham ideias claras do que precisamos e negoceiem, negoceiem duramente. É justo e é Portugal que está em jogo. Proponho desde já declarar que se as regras são essas então Portugal opor-se-á sistematicamente em determinadas circunstâncias. Para se lembrarem que uma mosca pode ser bastante incómoda se a tratarem mal... Se as acções deles não tiverem consequências, não mudarão o seu comportamento.

E depois disto, acabou-se. Por este caminho a Europa como os Portugueses a sonharam não sobreviverá, se é que alguma vez existiu. Conseguiram fazer tudo ao contrário: regras complicadas e não representativas (2 câmaras, uma representando os países igualmente outra proporcional à população é que era), ausência de referendos, leis emanadas de cima, ausência de solidariedade entre estados europeus, tudo ao contrário. Este seria um derradeiro teste. Estão a chumbar e será uma questão de tempo.

A tarefa exigia melhores líderes, verdadeiros estadistas, não esta gentinha burocrática e egoísta. Quem se vai rir são os Americanos, que sempre tiveram dúvidas sobre a viabilidade da UE, e que observam a razão a ser-lhes concedida inesperadamente. E quem se lixa é o mexilhão, como de costume.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Que esperar das eleições?

Aparentemente todos os partidos se inclinam para eleições. Lamento porque acho que a melhor solução era outra. Mas é natural que as cliques partidárias não queiram abdicar de uma oportunidade de um lugar ao Sol, mesmo que o Sol queime...

Mas o que pode esperar o País destas eleições? Temo o pior. Ainda nem 24h tinham passado da apresentação da demissão do Primeiro Ministro e já o putativo candidato ao lugar entrava em contradição com o seu pensamento político, Sem ter sequer a desculpa de ser um erro de juventude. E eu que até estava agradavelmente surpreendido por ele reconhecer a injustiça do IVA...

Não contente com isso continuou com o strip tease de medidas avulsas (excelente para ser atacado e inconsistente) com a proposta de privatização da CGD. Péssima ideia! Não só desconfio que a maioria dos Portugueses vê essa questão com maus olhos (e com boas razões) como alienar um bem que dá lucro - já tentado antes - e que pode permitir algum controlo económico não resolve nenhum problema e é um péssimo negócio.

Claro que a máquina de girar do PS não desperdiçou a oportunidade. E é muito triste ter que dar razão a esta gente. Se houvesse dúvidas sobre o que se pode esperar desta gente, estão desfeitas: apenas almejam ser califas no lugar do califa. E quem vai pagar é Portugal.

Com a máquina do PS a funcionar ao máximo e a falta de consistência do PSD a vir ao de cima, temo que quando chegarem as eleições a composição do parlamento acabe por ser a mesma. Três meses desperdiçados para ficar no mesmo pântano.

Afinal, para que vão servir estas eleições?

quarta-feira, 23 de março de 2011

Governo de iniciativa presidencial

O governo vai certamente cair hoje e ninguém vai ter saudades dele. O caminho que tem tomado tem sido claramente errado, prosseguindo políticas erradas e tornando a situação de Portugal ainda mais difícil. O governo cai e depois o que acontece?

As declarações públicas de vários responsáveis políticos apontam para que vá haver eleições. Se a continuação do governo é, desde há muito tempo, insustentável será que eleições é a melhor solução? Serão vários meses de inacção política sem endereçar os problemas graves que nos assolam, mais uma perda de tempo que piorará ainda mais a nossa situação. E corre-se o risco de as eleições não resolverem nada: se PSD+CDS não obtiverem a maioria absoluta, a situação será similar à actual, com a agravante de se ter desperdiçado ainda mais tempo. E este risco não é desprezável. Neste momento toda a gente está farta do primeiro ministro mas a máquina de propaganda do PS é fenomenal e as propostas do PSD não parecem ser do agrado da maioria das pessoas, nomeadamente o que foi sugerido nas sugestões de revisão da constituição, por exemplo no que diz respeito à saúde. Isto foi aliás muito bem aproveitada pela máquina de propaganda do PS e justificou a ausência de maioria absoluta do PSD nos resultados das sondagens, apesar actuação lamentável do governo no último ano. É duvidoso que a direcção do saco de gatos esfomeados de poder em que o PSD está transformado consiga, ou saiba como, resolver os maiores problemas de Portugal, e os eleitores sentem isso. Corre-se o risco de haver voto de protesto em grande escala, como começou a acontecer nas eleições presidenciais, e a situação ficar ainda mais complicada.

O PSD aliás não deve estar com grande vontade de governar neste momento. Eles sabem que terão que implementar medidas difíceis e impopulares que lhes podem fazer perder o poder rapidamente. Mas o mais importante é que PSD e PS, por serem partidos de poder, estão dominados por gente mais interessada em tirar vantagens pessoais do que no país. As direcções partidárias, admitindo que são de boa vontade e de intenções puras, dependem desta chusma contra cujos interesses qualquer governo que queira salvar Portugal terá que lutar. Um governo emanado de um partido muito dificilmente conseguirá ir contra a sua base de apoio partidária, e ainda menos se houver maioria absoluta, como tem sido demonstrado pela história recente.

Face a este quadro, o que se pode fazer?

O presidente pode escolher uma personalidade de qualidade incontestável e afastada da política para liderar um governo de iniciativa presidencial. Esta solução tem as vantagens de libertar os partidos de terem que governar nesta altura tão difícil e impopular (em particular o PSD) e de um governo destes ser independente dos aparelhos partidários, podendo mais facilmente governar sem ter que contentar interesses particulares. O PSD ficaria contente por não ter que governar, o CDS-PP por não ter que entrar num governo nesta situação, o PS aliviado por sair do inferno que criou e ter oportunidade de se reconstruir longe do poder, o BE e o PCP contentes por continuar a haver uma "maioria de esquerda" mas verem-se livres do PS no governo. Seria um governo de salvação nacional sem controlo directo da clique partidária, só vantagens!

Uma vez que há "maioria de esquerda", deveria ser escolhida uma pessoa de centro-esquerda. assim de repente lembro-me por exemplo de António Barreto. É inteligente, equilibrado, tem experiência governativa e obra feita.

Infelizmente não vai acontecer. O presidente Cavaco Silva não gosta de governos de iniciativa presidencial e ainda menos de ter que se responsabilizar por um. Não acredito que o PS e o PSD consigam ver as vantagens desta situação. E duvido muito que o António Barreto aceitasse.
É pena. Podia ser o primeiro passo para uma mudança de regime. De outro modo, não estou a ver que aconteça sem muito mais dor para todos. E por este andar até farelos vão faltar...

Regresso

Após um período em que não me foi possível intervir publicamente (e tantas coisas foram acontecendo) volto a escrever neste blog. Esta é uma altura crucial para Portugal.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Reflexão de Natal: Jesus seria de esquerda ou de direita?

Sempre me surpreendeu que as pessoas que vivem a sua religiosidade de forma mais pública ou que demonstram convicções religiosas mais fortes, em Portugal e noutros países de tradição Cristã forte, apoiassem causas políticas ou modos de organização da sociedade em oposição a muitas das mensagens dos relatos que temos do que foram os ensinamentos de Jesus.

A crise da dívida soberana que estamos a viver exacerbou a discussão sobre macroeconomia, com muitas das posições políticas determinadas pelas ideologias professadas pelos intervenientes, levando a um diálogo de surdos onde no fim só restam bitaites, bocas e acusações de "os outros" professarem ideias próprias do belzebu. Os argumentos escolhidos pelas partes acabam frequentemente por reforçar a posição que de antemão têm, um efeito conhecido por predisposição para a confirmação (confirmation bias) que tende a dificultar a discussão, mesmo quando as partes estão a discutir de boa fé.

Mas afinal Jesus seria considerado de esquerda ou de direita? Seria certamente uma longa discussão... Ele não parece ter-se preocupado com a organização social (talvez, na sua infinita sabedoria, sabendo que seria impossível mudá-la no tempo da sua vida) apostado antes na  transformação das pessoas.

Uma interpretação moderna das consequências do seu exemplo de vida consubstancia-se na Doutrina Social da Igreja. O mais interessante é que ela parece ser razoavelmente ignorada na discussão ideológica, por um dos lados por pensarem que ela confirma o que pensam, pelo outro por pensarem que diz o contrário. A mim parece-me que tem indubitavelmente elementos interessantes que merecem reflexão, por quem se considera de esquerda e por quem se considera de direita.

As contradições entre as posições políticas e os valores afirmados são particularmente visíveis na sociedade americana, que parece estar cada vez mais polarizada. A hipocrisia que abunda nesta problemática, e não só na américa, foi bem capturada por Stephen Colbert, goste-se ou não do seu estilo. Ele consegue de forma hilariante desmontar um discurso que, invocando-se de tradição cristã, cai em contradição com os valores mais fundamentais de Jesus. Uma reflexão que vale a pena ter a coragem de fazer.


www.colbertnation.com


domingo, 5 de dezembro de 2010

O Contra-Informação morreu ou foi assassinado?

Na semana passada ouvi a notícia de que o programa Contra-Informação, que passava na RTP, ia acabar. Concretizava-se finalmente aquilo que eu há anos temia. Morreu de morte natural ou foi assassinado?

Desde há muito que me admirava como não havia pressão política que fizesse acabar com o Contra-Informação, como aconteceu a alguns outros programas. Imagino que vontade não faltasse, tal era o modo corrosivo e certeiro como os agentes do poder eram retratados. Atribuí esse facto à notoriedade negativa que isso daria ao agente que o tentasse. O programa aparecia  sistematicamente na lista dos programas mais vistos da TV e seria um escândalo (pelo menos nesse tempo seria) que ele acabasse por pressão. Ou então a oposição era suficientemente forte e lá o foi aguentando. Lembro-me que apareceram repetidamente notícias sobre a não renovação de contrato com a sua produtora, que sempre foram sendo ultrapassadas.

Até que, há já alguns anos, começou a acontecer uma coisa que considerei muito estanha. Apesar de o programa ser campeão de audiências (o Contra Fim de Semana, pois quem tinha paciência para aturar uma hora de telejornal a encher chouriços para ver 5 minutos de programa?) o seu horário passou a ser errático: o horário mudava de antemão, várias vezes ao longo de poucos meses; era de amiúde anulado por causa do futebol; foi colocado num horário que imagino ser pouco interessante para a temática (fim da tarde de Domingo, quando passava). Este tratamento a um líder de audiência tem duas explicações possíveis: incompetência pura ou alta eficácia na destruição de um programa. Os programas recorrentes tipo seriado vivem em parte da fidelização da sua audiência num dia da semana a uma hora determinados. Isso torna-se uma tarefa quase impossível se o programa insiste em mudar de horário. Mas se se pretende que a sua audiência diminua, para o poder anular por ninguém o ver, essa estratégia pode ser muito eficaz.

Eu, admirador incondicional do programa, acabei por desistir de o tentar descobrir na grelha da programação. Well done! Mission accomplished! Só se não fizesse mais nada e seguisse quase religiosamente a programação da RTP conseguiria dar com o programa. Ele deve ter acabado a ser passado num dia qualquer da semana a uma hora imprópria, a ser visto pelas "classses C/D, não líderes de opinião" i.e. o seu efeito mordaz completamente anulado. Um cadáver vivo.

Se foi de propósito, foi muito bem executado. Assim sendo , terá sido encomendado ou uma acção proactiva para agradar aos Chefes? Nunca se saberá.

Com o tempo praticamente deixei de ver TV de sinal aberto. O Contra-Informação continuou a sobreviver, não sei com que audiências. Há pouco tempo apercebi-me que passava num canal de cabo, onde talvez o pudesse redescobrir. Os canais de cabo não têm publicidade interminável e costumam manter os horários. Mas não fui a tempo, acabou. Logo agora, que tempos (ainda) piores se avizinham e ainda mais falta faria. Ou talvez por isso.

O Contra-Informação foi um dos melhores programas da televisão portuguesa, e um dos poucos que repetidamente conseguiu desmascarar os tiques e as tretas das figuras públicas portuguesas, com destaque para as da política. Manteve sempre um nível elevado (ao contrário de programas similares noutros países) certamente graças à genialidade das equipas das Produções Fictícias que assinavam os textos. Era hilariante ver figuras públicas a falar dos e com os bonecos a fingir uma bonomia e fair-play que se adivinhava que não sentiam (em Portugal tem-se pouco jogo de cintura e o respeitinho é muito bonito). Foi durante anos o melhor programa de crítica política, independente e certeiro, mascarado de programa satírico e para as crianças (pois se tinha bonecos!). Lembro-me que foi a fonte de informação que, de longe, melhor desmascarou a opção esquisita do negócio da Ponte Vasco da Gama.

Obrigado Contra-Informação. Foste uma luz de esperança e uma fonte de resistência no meio do pântano que se desenrolava à nossa frente, nunca deixando de apontar que o rei ia nu. E agora acabaste. Portugal ficou mais triste e mais pobre.

Greve geral

Algumas reflexões a propósito da greve geral da semana passada.

Greve para quê e contra quem?

Uma greve é um protesto. Esta greve foi um protesto contra o governo, a Europa, a vida, tudo o mais? A falta de objectividade das razões de uma greve  geral é um problema: há sempre muitas razões para uma greve geral e as pessoas geralmente apenas se revêem numa parte dessas razões (aliás o mesmo dilema aparece quando se faz parte de uma organização como um partido político). Decidir se as razões com que se concorda são suficientes ou não para se fazer greve pode não ser uma tarefa fácil. Acresce a este problema que as razões mais publicitadas para a greve podem ser as promovidas por uma facção com uma agenda própria, com a qual pode não se concordar, e não as que consideramos mais importantes.

Um cidadão pode então decidir não fazer greve  mesmo concordando com ela e vice-versa, apenas pelas razões apontadas explicitamente e pelo seu peso relativo na opinião pública. No caso da greve da semana passada, parece-me que o protesto é pouco útil porque: (a) os problemas presentes de Portugal ainda estão longe de estar resolvidos ou de terem chegado ao seu ponto mais agudo, e uma greve geral nesta altura pode ter sido um tiro desperdiçado; (b) o governo e outras entidades estão absolutamente convencidos que estão a agir bem e o protesto pode até fazê-los convencer ainda mais que estão a agir bem, especialmente se a greve ficar muito conotada, mesmo que injustamente, com facções da população como os sindicatos, o PCP ou os trabalhadores da função pública; (c) não é claro qual é a solução que os grevistas pretendem para o problema (e qual é o problema?), podendo parecer que estão a negar a realidade.

Desequilíbrio de forças

Muitos tentam atribuir à greve e aos grevistas um ónus ético negativo. Fazer greve será, deste ponto de vista, uma coisa má porque provoca perdas nas empresas, etc. No entanto, outro ponto de vista é possível: a greve serve para alterar o equilíbrio de forças. E os equilíbrios de forças que podem existir não são em si éticos mas sim resultado das forças relativas dos intervenientes determinadas pelas possibilidades oferecidas pela realidade.

As soluções éticas da sociedade ou da organização de uma empresa são por exemplo, quanto se deve pagar aos funcionários, como devem ser distribuídos os lucros da empresa, qual o grau de responsabilidade de cada funcionário, qual deve ser a responsabilidade social da empresa, etc.

As questões éticas, até por razões práticas, não são muito discutidas. Na prática o que acontece é que a realidade é um equilíbrio determinado pela força dos intervenientes. Naturalmente que aquilo a que se costuma chamar patronato tem a priori muito mais poder do que os trabalhadores: mais conhecimento, mais dinheiro, poder conferido pela propriedade (ou seja, pela lei), etc. É humano que esse poder tenda a ser exercido em proveito próprio. Os sindicatos e o recurso à greve servem para contrabalançar esse poder, de modo a que a parte mais fraca - os trabalhadores - consigam negociar. Se o seu poder crescer muito, os problemas começarão a ser ao contrário: falta de competitividade da empresa ou até falência. O resultado depende de como as partes jogam as suas cartas, o seu poder. Apenas. A discussão ética, podendo ser usada como argumento, não tem que ter nada que ver com isto.

A liberdade de fazer greve

Tem sido observado que a greve geral foi sustentada principalmente pelo sector público, havendo sugestões de que é assim porque só o sector público se pode dar ao luxo de fazer greve pois está muito (sugere-se que demasiado) protegido pela lei.

A mim parece-me um sintoma muito grave que os trabalhadores do sector privado não façam greve pois isso denota falta de capacidade dos sindicatos no tecido empresarial. E um tal desequilíbrio de poder não será bom para a construção de uma sociedade equitativa de produção competitiva. Mas explicar isso é uma longa história que terá que ficar para outra ocasião.

Assim, o problema não será termos um sector público que se dá ao luxo de fazer greve, mas sim um sector privado que não se pode dar ao luxo de a fazer, pela ausência de sindicatos suficientemente fortes.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Olha o FMI

Toda a situação à volta das dívidas soberanas continua actual e sem dúvida interessante. Não penso que seja uma grande surpresa a Irlanda ter que recorrer à UE e FMI. Para um observador exterior interessado mas sem conhecimentos profundos de macroeconomia nem informação privilegiada a situação parece bastante confusa. Não é evidente nenhum rumo incontestável de acção a curto prazo para começar a sair desta crise. Da observação da situação acorrem-me algumas ideias que me parecem importantes para compreender a realidade do problema e descobrir a melhor linha de acção a curto prazo.

As taxas de juro para os países em risco não parecem baixar com os esforços dos governos.

O aviso de Merkel de que os investidores terão que partilhar o risco não ajudou. Medidas de austeridade contraem a economia e fazem aumentar o risco de incumprimento, logo as taxas de juro não descem. Do ponto de vista do investidor, o risco só diminuirá quando as medidas resultarem, de modo que orçamentos aprovados e medidas anunciadas não chegam para o sossegar. Assim a acção dos países deveria ser a mais eficaz para a recuperação e não a que eles pensam que os mercados querem para que as taxas de juro baixem (pois, na realidade, não querem).

Os países em risco parecem estar relativamente sozinhos a lutar contra os problemas.

As regras da UE podem estar a ser formalmente cumpridas e, claro, a Alemanha não quer pagar a factura dos erros alheios. No entanto dá a sensação que a situação poderá levar a que os países caiam um a um às mãos do mercado, o que não será bom para ninguém, e que a UE como um todo só agirá mais veementemente quando algo de mais grave se passar, por exemplo, se a Espanha (uma economia suficientemente grande para fazer grandes estragos) estiver em risco. Nessa altura poderá ser muito mais difícil a recuperação, além de que toda situação vivida por Portugal, Espanha e Grécia será mais difícil do que poderia ser. Uma posição forte da UE como um todo na defesa de todos os seus membros, mesmo que se tenham portado mal, poderia ser mais eficaz e melhor para todos. Possivelmente as regras da UE não permitem as acções necessárias, o que faz emergir a indecisão, e os países em melhor situação estarão porventura a pensar mais em si próprios que no bem comum.

Eventualmente as regras da UE e do Euro serão mudadas, no sentido de uma maior integração fiscal (ou o Euro acabará), mas não sem uma grande dose de dor que poderia ser evitada se houvesse mais solidariedade entre os países europeus.

Os mecanismos do Euro são insuficientes em tempos de crise

Esta crise está a tornar finalmente claro a insuficiência dos mecanismos do Euro face à realidade. Umas razões que me levou a duvidar da vantagem da nossa adesão ao Euro foi pensar que para sermos bem sucedidos, não podíamos falhar na estabilização da moeda. Pensei: "E se falharmos, o que acontece?" Uma vez que ficámos sem mecanismos como a desvalorização da moeda, será muito mais difícil (impossível?) recuperarmos sem uma ajuda externa verdadeira e desinteressada (e isso ainda existe?). O Euro exige que ninguém falhe. O Euro não poderá continuar no modo presente.

Portugal

Começa-se a falar que será inevitável a Portugal recorrer ao fundo de estabilização financeira e ao FMI. Não sei o suficiente para saber se essa é a melhor opção. Por um lado parece que já adoptámos as medidas que o FMI poderá exigir. Mas o FMI poderá ir mais longe e exigir medidas gravosas que poderão não ser as melhores (o FMI tem um longo historial de enganos e acções desastrosas a ajudar países...). Por outro lado, a presença do FMI seria uma garantia extra de que o nosso governo se portaria bem, pelo menos seria mais vigiado...

A ser verdade esta inevitabilidade, talvez então fosse preferível pedirmos ajuda já, antes que a situação internacional se complique ainda mais. As taxas de juro continuam a subir, incluindo as de Espanha, sempre poupávamos algum dinheiro nos juros (primeira lei de quando se está num buraco: parar de cavar) e podíamos começar a tentar a recuperação.

Se não, temo que passaremos os próximos meses com o coração nas mãos, taxas de juro estratosféricas, discussões políticas inúteis e desgastantes, e acabar com uma dívida pública ainda maior, num buraco mais fundo.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Sete por cento, e agora? Um plano precisa-se

Pronto, chegámos lá, à tal fronteira inventada da nossa desgraça, o limite a partir do qual o ministro das finanças é (era?) de opinião que o FMI devia vir tomar conta de nós.

Mas é mesmo assim? Confesso que não consigo perceber. Visitando a blogosfera e lendo os jornais encontram-se opiniões de todos os tipos, desde a de que o FMI é que é bom e nos deve pôr na ordem, venha o FMI!, até à que jura que culpa é do liberalismo e da Alemanha e que a revolução europeia e social é que é.

Na realidade, ninguém sabe bem o que é melhor fazer, há demasiadas variáveis e imponderáveis, não se consegue uma linha de acção consistente sem uma análise em profundidade. E análises em profundidade não são a especialidade dos comentadores de jornais, muitas vezes engajados politica ou ideologicamente (incapazes de pensar portanto), e dos políticos que vivem de boutades, bitaites e showoff feito com o dinheiro que não é deles. Ainda não vi explicado o que o FMI faria de diferente que não esteja já previsto no orçamento, ou como vamos conseguir fazer a revolução a tempo de salvar a nossa economia.

Enfim, acredito que há gente por aí que sabe pensar, tenho visto indícios por aí, a questão é se quem tem a capacidade de acção - o poder político - a quer ouvir, e agir em conformidade, unindo esforços com quem discorda e caminhar para a recuperação.

O que falta? Uma análise em profundidade e para além das ideologias da situação actual, quanto devemos, quanto precisamos, quem de nós precisa de dinheiro, para onde está a ir o que gastamos, quais as despesas menos cruciais? Como podemos ganhar mais? Quem nos pode ajudar? Como podemos ser ajudados? Sem saber como estamos, como poderemos descobrir o rumo certo?

 A seguir, um plano de acção. Identificar linhas de acção, meios requeridos, possíveis resultados e graus de risco. Uma estratégia de acções a curto e médio prazo (as reformas necessárias demoram muito tempo para serem bem feitas e resultarem, não resolvem neste momento). E uma estratégia não se faz com sound bytes na TV e gritaria com a oposição. É necessário sentido de estado, inteligência e clarividência. E, o mais importante, pessoas qualificadas, patriotas e inteligentes com poder para fazer o seu trabalho.

Como liderar a elaboração de tal plano? Não certamente pensando que se sabe tudo, nem ouvindo os que nos dizem apenas o que queremos ouvir, nem dando ordens sem nexo aos lambe-botas de serviço que concordam sempre connosco, os tristemente famosos yes-boys!

O diagnóstico pode começar no facto de a dívida pública estar a crescer quase linearmente nos últimos 10 anos (ver por exemplo aqui) e que nesse período de tempo o crescimento de económico de Portugal ter sido dos piores do mundo. A crise de 2008 só pôs a descoberto uma situação de "sapo a ser cozido em lume brando sem dar por isso" que vem muito de trás. Só umas Cassandras que andam por aí insistiram em se preocupar.  E qual o efeito de pertencer à zona Euro, com regras pouco adequadas à nossas situação? Não parece ter ajudado nada...

E como possível linha de acção, será que se pode convencer o BCE, a Alemanha e a Europa a adaptar as regras de modo a facilitar a nossa recuperação? Merkel parece estar mais preocupada em castigar os PIIGS, e no interesse da Alemanha, do que em resolver a situação. Não se pode convencer a senhora a estar calada? É que cada vez que ela fala, os juros sobem... Multar os países em dificuldades ajuda a situação? Não me parece. Uma acção conjunta dos países em dificuldade teria peso acrescido? E declarações duras oficiais, poderiam ter algum peso numa Europa anquilosada habituada a resolver tudo nos gabinetes? Por vezes falar grosso resulta, desde que com argumentos sérios. E quem é o mercado? Como se pode alterar a relação de forças e baixar a taxa de juro? A nossa diplomacia (que parece ser boa) podia ter um papel relevante aqui.

Noutro registo, Alberto João Jardim, um especialista a lidar com financiamentos externos e perdões de dívidas de territórios, pode ter um papel importante nesta linha. Que venha para o Continente e que ajude Portugal a transformar-se na bonita Ilha da Madeira!

Para as reformas de fundo será necessário mais. Tempo, inteligência, trabalho em conjunto, humildade, coragem e liderança.


Actualização: um comentário na fonte original do gráfico da evolução do PIB chama à atenção que o número que se deve utilizar é o PIB per capita, o que faz naturalmente todo o sentido. Entretanto o autor do gráfico já comentou essa questão e as conclusões são, penso, similares: não há nenhuma diferença fundamental (embora haja nuances). Se é verdade que a crise internacional fez despoletar o problema e o agravou, também é verdade que a situação de gastos públicos pouco eficazes para o crescimento já vem muito de trás.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Opiniões construtivas

É minha intenção ter uma postura construtiva neste blog. Afinal, o bota-abaixismo é a especialidade do treinador de bancada e do comentador político de café: "Eles" é que têm sempre a culpa e a mão na massa.  "Nós" somos os bons, inocentes e vítimas. O frenesim maniqueísta resvalante para o populismo demagógico não tem fim. A redução à ideologia básica, quase sempre mal compreendida, ou ao provérbio rimado que não permite réplica inteligente (os bitaites nunca permitem respostas inteligentes) simplifica tanto a existência e a razão, quem lhe pode resistir? Mas, digo eu, esse é o caminho dos farelos de que nos queremos safar, temos que ser melhores que isso, inteligentes, inovadores, abertos às ideias dos outros, construtivos.

Mas os acontecimentos da semana passada não inspiram à contribuição inteligente.

Começou com o orçamento, horrendo. E, mais horrendo ainda, não parece haver grande alternativa imediata. E as erratas de centenas de milhões? Ai!

Depois, a discussão do orçamento. Fiquei boquiaberto: Mas aqueles senhores não tinham feito um acordo? Não parece nada... E é com insultos mútuos, ataques pessoais e incivilidade que se propõem fazer alguma coisa pelo País? Ideias não se viram...

E os juros sempre a subir. Pois, se eu tivesse dinheiro também não quereria emprestar...

E no futuro próximo não parece haver perspectivas de melhoria já que a dissolução da Assembleia da República, para renovação política, não é possível. Mas como renovar se os partidos são os mesmos que nos levaram a esta situação ou que têm propostas tão distantes e utópicas (e erradas) que se excluem do poder? E o próximo orçamento, será diferente? Alguém tem um plano de médio prazo?

No fim-de-semana as soluções para salvar Portugal fervilhavam, auto-propostas ou solicitadas por jornalistas. Alguma boas! Porque não foram consideradas? O governo não soube ouvir quem sabe? Diálogos de surdos, capelas, influência de próceres?

Tanto para fazer, tanto para dizer. Tanto para explicar. Tanto para mudar. Mas hoje não, não me apetece, vou procrastinar.

Tenham paciência! O verbo não me sairia construtivo. Tantas notícias más precisam de recuperação, uns dias a soro e repouso absoluto (a trabalhar, que felizmente não estou desempregado...)

E se Portugal pode esperar 6 meses para sair do impasse político, que certamente continuará, também pode esperar mais uns dias por umas opiniões construtivas. Temos todo o tempo do mundo.

Vamos muito a tempo de comer farelos!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Quem tem farelos?

Pronto, já chega. Não posso mais estar calado. Por este andar vamos todos acabar a comer farelos. Se tivermos sorte.

Já chega! Nunca fui dado a estas coisas mas já chega de comentários de sofá, vociferando sem consequências para o boneco da TV.

A tarefa de quem nos governa, como a dos treinadores,  é mais difícil do que parece do meu sofá. Mas a coisa chegou a um tal ponto que nem eu, circunspecto em público por natureza, posso mais ficar a ver acontecer-nos tudo isto e ficar calado. O sucesso, mesmo de um País, começa com ideias, boas ideias. E parece que as ideias e discussões com bom senso que vai havendo por aí não chegam a influenciar o poder, submergidas por bitaites, tiradas ideológicas mal aprendidas, utopias irrealizáveis e desprezo mútuo entre os intervenientes.

Ao longo dos anos fui ficando cada vez mais inquieto com o destino que antevia para Portugal.

Do FMI em Portugal não tenho memória séria. Lembro-me do "Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas" e não gostei. Ter dúvidas é sinal de inteligência. Enfim, as regras da política têm destas coisas mas não havia necessidade. Resmunguei, desconfiei e consenti, é a minha natureza.

Seguiu-se o diálogo, bem intencionado mas inadequado e em minoria na assembleia e foi o regabofe e o pântano. Eu vociferava para a TV: "mas que raio, tu és governo, falas em nome de todos , não estás ao mesmo nível, não pode ser diálogo, é auscultação! Olha que eles aproveitam-se!" Mas não me ouviram...

Pelo meio, o Euro apareceu por aí e temi que sentir-me alemão não durasse muito. A falta de mecanismos de controlo macroeconómico e conhecer os próceres cá do burgo preocupavam-me. E disse para o lado, "hum, isto ainda vai correr mal...". Mas enfim, a esperança e tal, tínhamos sido bons alunos, ainda confiava.

Seguiu-se a tanga e a coisa começou a apertar. Toda a gente de boa vontade percebeu e dispôs-se a fazer sacrifício. Mas não serviu de lição. O tanga foi para a Europa, certamente lá veste-se melhor e deixou por cá um menino guerreiro a mandar no pagode. Foi merecido. Só consegui rir e chorar.

A nova esperança chegou finalmente. Mas não era nova nem de confiança. Rapidamente se tornou uma máquina de propaganda tão eficaz e arrogante como ignorante, teimosa e sem visão. E os PIN, as PPP, o Aeroporto e o TGV?  Porreiro, pá!

E agora finalmente, o orçamento crítico! Os milhões que devemos, os juros que não vejo como poderemos pagar, a falta de ideias para sair disto airosamente e o jogo continua, acusações mútuas, desrespeito, ausência de boas ideias. Como chegámos a uma situação tão crítica tão depressa sem dar por isso? Um viver podre em que não é o valor que conta e é premiado, onde a liberdade se afoga em burocracia, onde o estado de direito está em perigo, onde quem pode não liga e quem liga não pode. Assim não vamos lá! Uns só se mexem para se safar e outros só esperam que os salvem, sem se mexer.

Pois se é Sebastião que esperam aqui têm um! Não que devam esperar de mim o mesmo que do outro (mas pode ser que isso não seja mau...)

Sou Sebastião Nunes da Gama e contra minha natureza decidi juntar-me à blogosfera, ao Medina Carreira e a todos os cidadãos de boa vontade para fazer alguma coisa pelo meu país.

Pois tem que haver solução e a mudança está na mão de todos, com clarividência, criatividade e bom senso. E todos os cidadãos têm a sua quota-parte de responsabilidade . Não digo que seja igual, mas todos a têm. Deixe a bancada e entre em acção. Ou fazemos qualquer coisa ou vamos todos acabar a comer farelos. Se os pedincharmos e, por caridade, no-los derem... Proteste, proteste sempre! A palavra é a espada da democracia!

Eu não me vou calar mais.

Não mais!