domingo, 5 de dezembro de 2010

O Contra-Informação morreu ou foi assassinado?

Na semana passada ouvi a notícia de que o programa Contra-Informação, que passava na RTP, ia acabar. Concretizava-se finalmente aquilo que eu há anos temia. Morreu de morte natural ou foi assassinado?

Desde há muito que me admirava como não havia pressão política que fizesse acabar com o Contra-Informação, como aconteceu a alguns outros programas. Imagino que vontade não faltasse, tal era o modo corrosivo e certeiro como os agentes do poder eram retratados. Atribuí esse facto à notoriedade negativa que isso daria ao agente que o tentasse. O programa aparecia  sistematicamente na lista dos programas mais vistos da TV e seria um escândalo (pelo menos nesse tempo seria) que ele acabasse por pressão. Ou então a oposição era suficientemente forte e lá o foi aguentando. Lembro-me que apareceram repetidamente notícias sobre a não renovação de contrato com a sua produtora, que sempre foram sendo ultrapassadas.

Até que, há já alguns anos, começou a acontecer uma coisa que considerei muito estanha. Apesar de o programa ser campeão de audiências (o Contra Fim de Semana, pois quem tinha paciência para aturar uma hora de telejornal a encher chouriços para ver 5 minutos de programa?) o seu horário passou a ser errático: o horário mudava de antemão, várias vezes ao longo de poucos meses; era de amiúde anulado por causa do futebol; foi colocado num horário que imagino ser pouco interessante para a temática (fim da tarde de Domingo, quando passava). Este tratamento a um líder de audiência tem duas explicações possíveis: incompetência pura ou alta eficácia na destruição de um programa. Os programas recorrentes tipo seriado vivem em parte da fidelização da sua audiência num dia da semana a uma hora determinados. Isso torna-se uma tarefa quase impossível se o programa insiste em mudar de horário. Mas se se pretende que a sua audiência diminua, para o poder anular por ninguém o ver, essa estratégia pode ser muito eficaz.

Eu, admirador incondicional do programa, acabei por desistir de o tentar descobrir na grelha da programação. Well done! Mission accomplished! Só se não fizesse mais nada e seguisse quase religiosamente a programação da RTP conseguiria dar com o programa. Ele deve ter acabado a ser passado num dia qualquer da semana a uma hora imprópria, a ser visto pelas "classses C/D, não líderes de opinião" i.e. o seu efeito mordaz completamente anulado. Um cadáver vivo.

Se foi de propósito, foi muito bem executado. Assim sendo , terá sido encomendado ou uma acção proactiva para agradar aos Chefes? Nunca se saberá.

Com o tempo praticamente deixei de ver TV de sinal aberto. O Contra-Informação continuou a sobreviver, não sei com que audiências. Há pouco tempo apercebi-me que passava num canal de cabo, onde talvez o pudesse redescobrir. Os canais de cabo não têm publicidade interminável e costumam manter os horários. Mas não fui a tempo, acabou. Logo agora, que tempos (ainda) piores se avizinham e ainda mais falta faria. Ou talvez por isso.

O Contra-Informação foi um dos melhores programas da televisão portuguesa, e um dos poucos que repetidamente conseguiu desmascarar os tiques e as tretas das figuras públicas portuguesas, com destaque para as da política. Manteve sempre um nível elevado (ao contrário de programas similares noutros países) certamente graças à genialidade das equipas das Produções Fictícias que assinavam os textos. Era hilariante ver figuras públicas a falar dos e com os bonecos a fingir uma bonomia e fair-play que se adivinhava que não sentiam (em Portugal tem-se pouco jogo de cintura e o respeitinho é muito bonito). Foi durante anos o melhor programa de crítica política, independente e certeiro, mascarado de programa satírico e para as crianças (pois se tinha bonecos!). Lembro-me que foi a fonte de informação que, de longe, melhor desmascarou a opção esquisita do negócio da Ponte Vasco da Gama.

Obrigado Contra-Informação. Foste uma luz de esperança e uma fonte de resistência no meio do pântano que se desenrolava à nossa frente, nunca deixando de apontar que o rei ia nu. E agora acabaste. Portugal ficou mais triste e mais pobre.

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