domingo, 5 de dezembro de 2010

Greve geral

Algumas reflexões a propósito da greve geral da semana passada.

Greve para quê e contra quem?

Uma greve é um protesto. Esta greve foi um protesto contra o governo, a Europa, a vida, tudo o mais? A falta de objectividade das razões de uma greve  geral é um problema: há sempre muitas razões para uma greve geral e as pessoas geralmente apenas se revêem numa parte dessas razões (aliás o mesmo dilema aparece quando se faz parte de uma organização como um partido político). Decidir se as razões com que se concorda são suficientes ou não para se fazer greve pode não ser uma tarefa fácil. Acresce a este problema que as razões mais publicitadas para a greve podem ser as promovidas por uma facção com uma agenda própria, com a qual pode não se concordar, e não as que consideramos mais importantes.

Um cidadão pode então decidir não fazer greve  mesmo concordando com ela e vice-versa, apenas pelas razões apontadas explicitamente e pelo seu peso relativo na opinião pública. No caso da greve da semana passada, parece-me que o protesto é pouco útil porque: (a) os problemas presentes de Portugal ainda estão longe de estar resolvidos ou de terem chegado ao seu ponto mais agudo, e uma greve geral nesta altura pode ter sido um tiro desperdiçado; (b) o governo e outras entidades estão absolutamente convencidos que estão a agir bem e o protesto pode até fazê-los convencer ainda mais que estão a agir bem, especialmente se a greve ficar muito conotada, mesmo que injustamente, com facções da população como os sindicatos, o PCP ou os trabalhadores da função pública; (c) não é claro qual é a solução que os grevistas pretendem para o problema (e qual é o problema?), podendo parecer que estão a negar a realidade.

Desequilíbrio de forças

Muitos tentam atribuir à greve e aos grevistas um ónus ético negativo. Fazer greve será, deste ponto de vista, uma coisa má porque provoca perdas nas empresas, etc. No entanto, outro ponto de vista é possível: a greve serve para alterar o equilíbrio de forças. E os equilíbrios de forças que podem existir não são em si éticos mas sim resultado das forças relativas dos intervenientes determinadas pelas possibilidades oferecidas pela realidade.

As soluções éticas da sociedade ou da organização de uma empresa são por exemplo, quanto se deve pagar aos funcionários, como devem ser distribuídos os lucros da empresa, qual o grau de responsabilidade de cada funcionário, qual deve ser a responsabilidade social da empresa, etc.

As questões éticas, até por razões práticas, não são muito discutidas. Na prática o que acontece é que a realidade é um equilíbrio determinado pela força dos intervenientes. Naturalmente que aquilo a que se costuma chamar patronato tem a priori muito mais poder do que os trabalhadores: mais conhecimento, mais dinheiro, poder conferido pela propriedade (ou seja, pela lei), etc. É humano que esse poder tenda a ser exercido em proveito próprio. Os sindicatos e o recurso à greve servem para contrabalançar esse poder, de modo a que a parte mais fraca - os trabalhadores - consigam negociar. Se o seu poder crescer muito, os problemas começarão a ser ao contrário: falta de competitividade da empresa ou até falência. O resultado depende de como as partes jogam as suas cartas, o seu poder. Apenas. A discussão ética, podendo ser usada como argumento, não tem que ter nada que ver com isto.

A liberdade de fazer greve

Tem sido observado que a greve geral foi sustentada principalmente pelo sector público, havendo sugestões de que é assim porque só o sector público se pode dar ao luxo de fazer greve pois está muito (sugere-se que demasiado) protegido pela lei.

A mim parece-me um sintoma muito grave que os trabalhadores do sector privado não façam greve pois isso denota falta de capacidade dos sindicatos no tecido empresarial. E um tal desequilíbrio de poder não será bom para a construção de uma sociedade equitativa de produção competitiva. Mas explicar isso é uma longa história que terá que ficar para outra ocasião.

Assim, o problema não será termos um sector público que se dá ao luxo de fazer greve, mas sim um sector privado que não se pode dar ao luxo de a fazer, pela ausência de sindicatos suficientemente fortes.

2 comentários:

  1. já pensou que um trabalhador privado ao fazer greve está a prejudicar o empregador que não tem nada a ver com a crise?

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  2. O ponto é que a greve é uma arma num conflito de interesses. A razão e a culpa não têm necessariamente que ser invocadas. Porque o trabalhador pode argumentar que o salário oferecido o está a prejudicar a ele, que a distribuição da mais valia gerada na empresa é injusta, que o empregador, ao aceitar a ordem social, também contribui para a crise, etc., etc., etc.

    Repare que qualquer empregador tem muito mais poder nos destinos de uma empresa do que qualquer empregado. Essa assimetria pode ser bem ou mal usada mas é sabido que o poder costuma ser utilizado em proveito próprio.

    A greve é um meio de equilibrar esse poder. Tem perdas (para todos!), e por isso exige coragem, determinção e clarividência (para saber quando parar).

    É por isso que estas coisas são complicadas.

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